Já todos ouvimos falar de casais que não foram capazes de manter a sua relação porque um deles ter-se-á mostrado impreparado para as vicissitudes de um compromisso sério. Na maior parte destas histórias é o homem que revela esta incapacidade para se comprometer, mas também existem exemplos de mulheres que, mesmo que não o assumam abertamente, põem fim às suas relações (ou empurram-nas para a ruptura) porque têm medo do compromisso.
As diferenças de género que ainda se verificam estão relacionadas com a educação diferenciada que os actuais homens e mulheres receberam ao longo do seu desenvolvimento. Como tenho referido tantas vezes, às meninas era dito que "ficava mal" ter muitos namorados, que corriam o risco de ser chamadas de "vadias" ou outros nomes piores, ao mesmo tempo que se avisava "tem cuidado porque os homens não gostam de mulheres fáceis". Aos homens era dito o contrário - nalgumas famílias continua a existir este preconceito: dizia-se que o ideal era ter muitas namoradas (quanto mais, melhor), incentivava-se o hedonismo ("diverte-te e não te prendas") e cultivava-se a ideia de que o casamento implicaria o fim da "boa vida", pelo que quanto mais tarde um homem casasse, mais "maduro" estaria - "viveu tudo o que tinha para viver e, agora sim, está pronto para assentar e constituir família”.
Independentemente destas diferenças de género, algumas pessoas continuam a olhar para as relações amorosas de forma paradoxal - por um lado, ambicionam encontrar aquela pessoa especial com quem possam formar a tal família com que sonharam mas, por outro, sentem um medo terrível de perder a sua independência. Mais: insurgem-se de forma muito clara, e às vezes agressiva, contra qualquer comportamento do cônjuge que, aos seus olhos, implique uma tentativa de controlo. Assumem-se como pessoas de mente aberta, incapazes de condicionar as escolhas da pessoa amada e reivindicam que a relação conjugal não implique qualquer mudança nas suas escolhas. Numa perspectiva teórica, estas pessoas são os namorados/ esposos perfeitos, já que vivem sob o lema "vive e deixa viver". Mas na prática as coisas complicam-se porque, de um modo geral, para que a relação seja realmente coesa, nenhuma das pessoas pode continuar a fazer todas as escolhas individualmente. Uma namorada pode (e deve) apoiar a ideia de o seu mais-que-tudo continuar a praticar desporto como fazia antes de existir um compromisso, tal como deve ser capaz de perceber que, para ele, as saídas com os amigos continuem a ser uma fonte de bem-estar. Faz muito menos sentido (ou nenhum?) que ele não esteja disposto a criar rotinas com a namorada na medida em que estas choquem com as saídas semanais com os rapazes e/ou com todos os outros compromissos que existiam na vida de solteiro. A ideia do "estamos juntos quando nos apetecer" só resulta na imaginação de alguns. Ou nas relações em que não haja um compromisso, como nas amizades coloridas.
Algumas pessoas reclamam porque, a partir do momento em que assumiram uma relação séria sentiram que tinham de "pedir permissão" ao cônjuge para tomar determinadas decisões. Ignoram que não é de autorização que estamos a falar, mas de partilha. Se um dos membros do casal quiser ir ao ginásio todas as tardes, deve ter em consideração que essa escolha implicará que o outro fique encarregue de cuidar das crianças. E a desculpa do "mas se ele(a) não tem nada combinado, porque é que eu hei-de ficar preso(a)?" não é razoável. Porque assumir compromissos é partilhar deveres, responsabilidades e decisões, respeitando as necessidades de cada um e reconhecendo que, para que a relação funcione, tem de se fazer cedências. Neste caso, para o cônjuge que "opta" por não ir ao ginásio pode fazer mais sentido sentir-se conectado à pessoa amada através da partilha de alguns finais de tarde que permitam que ambos cuidem das crianças e ainda sobre tempo para conversas banais entre adultos que se amam e que querem manter-se ligados.
Outro dos motivos por detrás do fim de algumas relações é o medo da intimidade. Há pessoas que fogem do compromisso sem se aperceberem de que estão a inventar defeitos no outro só para não terem de chegar a níveis de intimidade emocional que as deixam desconfortáveis. Estas pessoas até podem estar abertas ao casamento e à ideia de ter uma relação estável mas na prática começam a "fartar-se" com a ideia de aquela relação não ser superficial, leve e uma fonte constante de divertimento. Dispensam a parte do "drama", esquivam-se às conversas profundas e mostram-se incapazes de estar "lá" para o outro.
Nalguns destes casos o que acontece é que a pessoa não possui uma auto-estima suficientemente elevada e, em função disso, evita revelar-se. Mostra uma parte de si, como se temesse que, ao revelar as suas maiores fragilidades, pudesse perder a pessoa amada. Não gosta suficientemente de si e sofre com a ideia da rejeição. Paradoxalmente, são as tentativas sistemáticas de transmitir uma imagem perfeita que conduzem a conflitos que, de um modo ou de outro, levam à ruptura. E ainda que a posteriori a pessoa se dê conta de que já "deixou escapar" óptimos namorados, pode não ficar claro para si o peso da evitação da intimidade. Muitas vezes só depois da intervenção terapêutica é que a pessoa se dá conta do impacto destas vulnerabilidades na forma como se relaciona do ponto de vista romântico com outros adultos.
E quando a pessoa não gosta o suficiente de si mesma e/ou não é capaz de confiar no outro ao ponto de criar uma relação verdadeiramente íntima, as dificuldades podem estender-se à intimidade sexual – porque a pessoa não se sente suficientemente confortável para expor as suas necessidades, para revelar aquilo de que precisa para se sentir preenchida, e acaba por culpar o outro por aparentemente não estar à altura.
Ter uma relação marcada pelo compromisso não é apenas ser capaz de a assumir à família e aos amigos. O compromisso requer que coloquemos de lado os nossos medos e nos entreguemos de facto. Implica relacionarmo-nos com outra pessoa de forma aberta, franca, disponível sem conhecer de antemão os resultados. Implica conectarmo-nos.