Fui recentemente contactada pela revista Pais & Filhos para dar o meu contributo a propósito do tema "Vida social do casal depois do nascimento dos filhos". (Quase) Todos os adultos têm a noção de que a chegada de um filho implica algumas restrições no que diz respeito à vida social. Mas até que ponto? Implicará esta mudança o total afastamento dos amigos?Será a gravidez sinónimo de "Adeus, boa vida?". Partilho aqui as minhas respostas.
Na sua prática clínica encontra frequentemente este tipo de «queixas»?
Este é um assunto que acaba por ser abordado em praticamente todos os processos de terapia de casal. Quando há filhos pequenos, é usual ouvir queixas acerca do afastamento em relação ao grupo de amigos. Os casais com filhos adolescentes queixam-se muitas vezes pelo facto de não saberem como recuperar a sua vida social - afastaram-se durante muito tempo dos amigos e, a páginas tantas, vêem a sua vida restrita aos afazeres.
É mais frequente as mulheres sentirem-se sozinhas e solitárias do que os homens?
As queixas são extensíveis a homens e mulheres. No entanto, e porque ainda vigora alguma sobrecarga feminina no que aos cuidados dos filhos e às tarefas domésticas diz respeito, são as mulheres que mais frequente e mais claramente expressam a sua insatisfação. Não raras vezes aquilo que é manifestado é precisamente o desejo de se sentirem compreendidas pelo cônjuge. Oiço, por exemplo, frases como "Gostaria de ter mais amigos" ou "Estamos muito centrados nas crianças".
De acordo com a sua experiência, a que se deve este tipo de situação?
O nascimento do primeiro filho é uma etapa que tem tanto de bela como de turbulenta. Nenhum adulto está 100% preparado para as mudanças que ocorrem nesta fase do ciclo de vida, pelo que é preciso tempo para que os membros do casal desenvolvam novas competências, implementem estratégias de negociação e reconheçam os benefícios dos recursos de que dispõem. Por exemplo, numa fase inicial os jovens pais sentir-se-ão legitimamente receosos quanto à possibilidade de deixarem o seu bebé com familiares ou amigos para que possam sair. No entanto, aquilo que é expectável é que ao fim de algum tempo essa confiança surja e o papel parental não funcione como aglutinador dos outros. Infelizmente, é nesta altura que muitos casais enfrentam sérias dificuldades de comunicação - em larga medida associadas à irritabilidade provocada pelos sonos entrecortados, mas também devido à inexistência de competências sólidas anteriores à vinda dos filhos. Da assertividade conjugal, isto é, da capacidade de cada um dos membros do casal para expressar de forma clara e honesta as suas necessidades, depende a saúde da relação conjugal. Ora, se é possível gerir durante algum tempo os altos e baixos de uma relação sem prestar atenção a este pilar, o mesmo não é verdade a partir do momento em que há filhos.
As grávidas e recém mães centram-se apenas na gravidez e no bebé, descurando as relações sociais?
Não posso fazer uma generalização. Felizmente, existem muitas mulheres que reconhecem a importância dos outros papéis nas suas vidas. Mas importa salientar que é natural e legítimo que uma mulher se centre no bebé e no papel maternal, podendo porventura dar menos atenção, durante algum tempo, à família alargada e aos amigos. Tal como acontece aquando da formação do casal / início do namoro, em que os membros do casal se fecham sobre si mesmos, como se o mundo "lá fora" pouco importasse, também nesta fase é saudável que os membros do casal explorem o papel parental, atribuindo menor importância a saídas com amigos. À medida que o tempo passa - tanto no namoro, como depois do nascimento do primeiro filho - espera-se que o casal volte a explorar a sua rede social (quer individualmente, quer enquanto casal).
As afinidades só se mantêm com quem já tem filhos há pouco tempo?
É natural que, numa fase inicial, as mães e os pais se sintam mais próximos dos amigos que estão a viver a mesma etapa do ciclo de vida. De resto, a partilha de experiências é tão saudável quanto o apoio da família de origem. É através dela que muitos pais e mães têm oportunidade de desmistificar algumas questões e de se verem a si mesmos como "normais". O facto de existirem pessoas próximas que estão, naquele momento, a viver angústias, medos e preocupações semelhantes é uma fonte de proximidade. Mas cada caso é único e especial e há muitos casais que mantêm o contacto com amigos que não têm filhos, reivindicando, precisamente, a vontade de sair com adultos e descentrar-se dos assuntos relacionados com as crianças.
A menor disponibilidade até para sair à noite e ir para ambientes de fumo, ou o sono de grávida ou as exigências de horários rígidos do bebé são factor de afastamento?
De um modo geral, os casais referem-se à gravidez como um período de união. Com certeza que existem excepções. De resto, quanto mais pobre for a comunicação entre os membros do casal, maior será a probabilidade de a grávida se sentir incompreendida e de o marido não ser capaz de se adaptar às mudanças associadas a esta fase. Mas a maior parte das queixas prende-se com o que (não) acontece ao fim de alguns meses depois do parto. A insatisfação não está tão associada às saídas nocturnas, que em muitos casos já não aconteciam antes da gravidez em função dos compromissos profissionais, mas antes à total incapacidade para programar saídas entre adultos (a dois ou em grupo).
Passado o entusiasmo inicial é normal sentirem a solidão e a falta de vida própria?
Ser pai ou mãe é com certeza muito mais do que viver o entusiasmo inicial. A maior parte dos casais que me procura não se queixa da presença dos filhos. Queixar-se-ão, sim, da incapacidade para conversar sobre as alternativas. O que acontece é que o desgaste toma muitas vezes conta da vida da família, sendo os dois membros do casal vítimas da multiplicidade de afazeres, e a comunicação falha. Por vezes o que falta é precisamente o reconhecimento de que ser pai e mãe também é cansativo e que é normal sentir falta de outras coisas. A maior parte dos casais que me procuram dá o seu melhor no que diz respeito ao papel parental. Investem toda a sua energia no bem-estar dos seus filhos, descurando por vezes a própria relação conjugal.
Como é que se pode antecipar e evitar chegar a esse estado?
Tal como acontece a propósito de outras dificuldades da vida familiar, é importante que os membros do casal se concentrem em identificar as suas necessidades e transmiti-las ao cônjuge, dando-lhe oportunidade de vir ao seu encontro. A maior dificuldade está precisamente na capacidade de expressar estas necessidades de forma clara evitando um tom acusatório. Como os nervos estão muitas vezes à flor da pele, é possível que as queixas de um se transformem, aos ouvidos do outro, em críticas, ataques pessoais, que fomentam a escalada em vez de promover o diálogo. Os membros do casal devem reconhecer que são, antes de mais, vítimas das circunstâncias, pelo que é infrutífero alimentar qualquer braço-de-ferro. O cônjuge não é o inimigo, não é o adversário. Por outro lado, é fundamental que os pais reconheçam que não existem super-homens ou super-mulheres, pelo que não há por que tentarem fazer tudo sozinhos. Pedir ajuda não deve ser uma fonte embaraço, mas um sinal de competência. A presença de familiares e amigos é uma ajuda que não deve ser descartada.
Concorda que a entrada para a escola pode abrir uma porta para a natural socialização da criança mas também dos pais?
Infelizmente, esta etapa nem sempre corresponde a uma janela de oportunidades, já que a entrada dos filhos para a escola acarreta também para a generalidade dos pais uma fonte de preocupações. Ora, se a comunicação tiver sido desgastada pelos primeiros anos de parentalidade, é expectável que a acumulação de afazeres (acompanhamento das crianças, atenção aos trabalhos de casa, assunção das despesas) tome conta do quotidiano conjugal.
Os filhos não têm de ser vistos como prisão. Mas como explicar de forma tranquila a pais e mães que é normal e saudável quererem ter vida para além dos filhos e que isso só fará deles melhores pais porque serão pessoas mais realizadas? E como explicar que isso não é igual a não gostarem suficientemente dos filhos?
A explicação passa muito pelo bem-estar das próprias crianças. A vinculação segura entre a criança e os seus pais é fundamental para que possa estruturar a sua personalidade de modo saudável, mas isso não quer dizer que a vinculação dependa da presença constante dos pais. Pelo contrário, os filhos precisam de saber que os pais também são capazes de resolver as suas próprias questões e de lutar pelo próprio bem-estar.