(Entrevista concedida à revista COSMOPOLITAN)
Será que os homens conseguem lidar com o sucesso profissional das mulheres? Antes eram elas que eram sustentadas por eles. Agora, muitas mulheres levam para casa ordenados mais elevados que os dos maridos. Como é que eles lidam com isso, uma vez que sempre tiveram o papel de sustento da família?
As diferenças significativas em termos do rendimento dos membros do casal podem ter um impacto negativo na estabilidade conjugal. Isso está muito longe de significar que haja problemas sempre que um ganha mais do que o outro. Na prática, esse é mais um desafio, geralmente contornável. Infelizmente, o facto de ser a mulher a ganhar mais do que o marido continua a gerar demasiados juízos de valor da parte das famílias de origem. Quando isso acontece, isto é, quando os membros do casal permitem que a família alargada assuma demasiado poder – mesmo que seja “apenas” através da manifestação de opiniões -, é mais provável que surjam conflitos sérios. Claro que socialmente continuamos a construir expetativas que implicam que os homens sejam os principais garantes da estabilidade financeira da família, pelo que é natural que, pelo menos numa fase inicial da relação, haja algum desconforto. Mas as famílias tendem a gerir com muita inteligência emocional este desafio.
Enquanto psicóloga/terapeuta familiar é frequente surgirem casos deste género? Se sim, grande parte dos casos acabam por ter sucesso?
Como referi antes, os casos que chegam até ao meu consultório estão mais frequentemente relacionados com as críticas que a família de origem da mulher faz em relação a esta assimetria do que propriamente com questões específicas associadas à gestão financeira ou ao desconforto individual. É como se nalgumas famílias esta situação implicasse que o marido, que ganha menos, pudesse, em função disso, estar a assumir uma posição mal-intencionada. Compete naturalmente aos membros do casal serem capazes de construir uma relação com laços seguros, marcada pela confiança mútua e com fronteiras muito claras em relação às respetivas famílias de origem.
Qual o conselho que dava a um marido que esteja a passar por esta situação? E qual o conselho que dava a uma mulher, para que possa ajudar o marido com esta questão?
A fragilidade associada ao facto de ganhar menos do que a mulher é mais facilmente ultrapassada na medida em que o assunto seja abordado com clareza e honestidade e na medida em que cada um dê voz àquilo que sente. O desconforto tende a dissipar-se na medida em que a mulher seja capaz de validar as emoções do marido, seja solidária mas não faça da assimetria um drama. Se o dinheiro for encarado como uma fatia da conjugalidade e os membros do casal forem capazes de construir um projeto familiar que contemple essas diferenças, tudo fica mais fácil. O que importa é que as decisões a respeito desse projeto continuem a ser ponderadas a dois e no sentido de dar resposta aos sonhos de ambos. A gestão financeira não é mais do que um meio para dar um rumo ao que for projetado a dois. Se se transformar num braço-de-ferro, é preciso repensar algumas decisões e porventura pedir ajuda.
Uma relação para ter sucesso deve ter equilíbrio. Nenhum dos elementos deve viver à sombra do outro… O que deve o homem fazer para se sentir bem com ele mesmo, ultrapassar a situação e ficar feliz com o sucesso profissional da mulher?
O facto de o marido ganhar menos do que a mulher pode não equivaler a insucesso profissional… De qualquer modo, a estabilidade familiar e individual são mais prováveis se cada um der o seu melhor no sentido de ser bom naquilo que faz. Nem todas as pessoas têm as mesmas oportunidades mas cada um pode viver com a sensação de que deu o seu melhor. Claro que isso é mais provável na medida em que haja apoio e admiração mútuos. Cada um dos membros do casal pode e deve mostrar essa admiração pelo cônjuge independentemente do rendimento financeiro associado às respetivas competências profissionais.
Outra questão que exige grande poder de aceitação é quando o homem tem uma relação com uma mulher que é uma figura pública/celebridade. Esta é uma situação diferente? Porquê? O que é necessário de ambas as partes, neste caso?
Mais uma vez falamos de poder e da força dos olhares externos. A interferência do mediatismo da mulher é muito menor se houver clareza em relação ao caminho que se quer fazer, se houver um projeto familiar sólido. É claro que esta é uma situação desafiante mas cada um dos membros do casal pode e deve ser admirado do ponto de vista profissional, independentemente de se tratar de um cargo mediático ou não. Se o marido se sentir seguro acerca do percurso profissional que quer fazer, as coisas ficam mais fáceis.
Não saber lidar com o sucesso da companheira, pode ser uma razão para que o homem decida terminar a relação, caso não saiba como lidar com a situação? Qual a receita para que uma relação assim seja bem-sucedida?
Os casos que tenho acompanhado levam-me a crer que os riscos são maiores quando há insegurança individual anterior a qualquer assimetria. O que quero dizer é que os homens mais vulneráveis são aqueles que não olhem para si mesmos como profissionais seguros, com uma orientação de carreira clara. Depois há problemas sérios que podem transformar-se em braços-de-ferro irreversíveis quando o casal não é capaz de gerir as interferências externas.