Todos os dias recebo no meu consultório um ou mais casais que foram vítimas de infidelidade. Repito:todos os dias. Nem todos os pedidos de ajuda em terapia de casal acontecem na sequência de um affair mas há uma percentagem significativa que sim, que chega até mim depois de um terramoto deste tipo.
Há algum tempo um desses casais partilhava comigo o espanto pela circunstância de, quase um ano depois da revelação da traição, ainda terem de lidar com momentos - insisto, MOMENTOS - de profunda angústia. Na verdade, foi o marido que manifestou o lamento. Foi ele que foi infiel e, por mais que tente empatizar com o sofrimento da mulher, sente alguma dificuldade em entender porque é que ainda existem momentos de profundo abatimento. Ele tem dado o seu melhor, quer no sentido de mostrar o arrependimento que genuinamente sente em relação ao erro que cometeu, quer no sentido de se comprometer com um conjunto de mudanças acordadas a dois. E reconhece que têm conseguido avançar, que a esperança que hoje é capaz de vislumbrar em relação a um futuro a dois era praticamente inexistente há uns meses. Mas os avanços que tão claramente identifica perdem todo o sabor quando se confronta com estes recuos. E então o cansaço toma conta de si, roubando-lhe, mesmo que momentaneamente, a esperança de que possam voltar a ser felizes sem tropeções, sem estes picos de angústia.
Para mim, que tenho uma distância emocional suficientemente segura da situação, é fácil entender a posição de um e do outro. Uma infidelidade é uma perda. E não me refiro apenas à inevitável quebra de confiança que decorre de uma experiência como esta. Uma infidelidade é uma perda comparável à perda física de alguém próximo. E, tal como acontece - ou pode acontecer - num processo de luto "normal", é expectável que os meses que se seguem a esta perda incluam momentos de raiva, de angústia, de desespero.
Quando perdemos alguém próximo, é possível que anos depois dessa perda nos confrontemos com instantes em que volta a fazer sentido chorar aquela perda. Ou em que somos invadidos por uma sensação de raiva intensa. São instantes, que procuramos gerir à medida das nossas forças, da nossa resiliência. Nestes casos, não costuma haver alguém a quem possamos dirigir a nossa revolta. Podemos revoltar-nos com a vida, com Deus, com uma doença maldita, mas raramente consideramos que haja um culpado pela nossa dor.
A infidelidade é um terramoto que foi provocado por uma pessoa específica. E ainda que não faça sentido castigá-la eternamente pelo erro que cometeu, ainda que não seja saudável que a pessoa traída eternize o seu luto, é natural que existam recuos ao longo do processo de tentativa de reconstrução da relação. Não é fácil para quem traiu lidar com esses recuos. Não é fácil conviver com o medo de que aquele "castigo" possa durar para sempre. Mas faz parte. E os casais que querem MESMO ficar juntos, aqueles cujos afetos continuam a sobressair, acabam, com a ajuda da terapia, por arregaçar as mangas e mostrar a perseverança necessária para continuar a lutar.
E um dia a serenidade chega.
A segurança reinstala-se.
E o medo dá tréguas.
É possível voltar a sonhar a dois.