O divórcio está tão banalizado na nossa sociedade que há quem chegue ao ponto de afirmar que, para a maior parte dos casais que decidem pôr um ponto final na relação, essa é uma decisão fácil e/ou egoísta, que não reflete a salvaguarda dos interesses dos filhos. De facto, há quem olhe para as pessoas em processo de divórcio como pais e mães irresponsáveis, centrados em relações descartáveis e despreocupados com o bem-estar das crianças.
A experiência clínica mostra-me que este é um olhar superficial, generalista e preconceituoso sobre uma realidade que é, quase sempre, muito dura e complexa.
A maior parte dos casais com quem me tenho cruzado
- quer em terapia de casal, quer nos processo de mediação familiar –
são pais preocupados, atentos e responsáveis.
É verdade que há separações mais destrutivas, tal como é verdade que há quem cometa erros sérios no que diz respeito às responsabilidades parentais. Mas esses erros são quase sempre fruto da ansiedade e do desespero associados ao processo de divórcio, mais do que ao egoísmo ou à negligência.
Uma das grandes preocupações que estes casais partilham é precisamente a primeira conversa com os filhos sobre o divórcio. Quase todos os pais e mães que me procuram em processo de separação mostram preocupação, dúvidas e ansiedade acerca do assunto. Não sabem o que dizer, nem como dizer; não se sentem seguros em relação às perguntas que as crianças possam colocar; temem não ser capazes de controlar as suas emoções; e, claro, sofrem com a possibilidade de serem confrontados com a tristeza provocada por esta decisão.
Enquanto psicóloga e terapeuta familiar não olho para estas pessoas como egoístas. Reconheço-lhes quase sempre o discernimento de optar por uma decisão difícil mas responsável em detrimento da manutenção de um casamento que apodreceu e que não pode ser uma base harmoniosa para o crescimento saudável das suas crianças. Com eles tenho explorado algumas questões-chave sobre a(s) conversa(s) a ter com as crianças a propósito da anunciação do divórcio:
- A HONESTIDADE NÃO DEVE TARDAR. As crianças apercebem-se quase sempre relativamente cedo de que algo não está bem. Em muitos casos, sabem que os pais se vão separar muito antes de estes lhes decidirem contar. Adiar esta conversa é permitir que as crianças sofram sozinhas e alimentem, desamparadas, uma série de fantasmas.
- O PAI E A MÃE NÃO SABEM TUDO. Não vale a pena planear até à exaustão aquilo que vai ser dito. As crianças podem surpreender os adultos com perguntas tão inesperadas quanto difíceis. Se os membros do (ainda) casal não prepararam a resposta para determinada pergunta devem ser honestos - dizendo, sem medo, "Ainda não sabemos" – mas responsáveis – acrescentando “…mas o Papá e a Mamã vão conversar e chegar a um acordo”.
- É PERMITIDO CHORAR. Alguns adultos fazem um esforço hercúleo para controlar as suas emoções, ignorando que essas manifestações são saudáveis e facilitadoras. Se os adultos chorarem, as crianças sentir-se-ão também autorizadas a fazê-lo. O divórcio é uma decisão difícil, geradora de tristeza e há que assumir que assim seja.
- A VERDADE É SÓ UMA. Ainda que um dos membros do casal se mantenha mais relutante em relação à separação, o anúncio do divórcio deve ser feito a dois e deve existir coerência. As crianças não têm nada a ganhar se um dos progenitores atribuir culpas ao outro. “O Papá e a Mamã vão separar-se porque já não conseguem viver na mesma casa” é uma explicação mais simples e ajustada do que “O Papá já não gosta da Mamã”.
- NEM TUDO VAI MUDAR. O divórcio vai implicar mudanças significativas – pelo menos um dos progenitores vai deixar de viver naquela casa – mas isso não deve significar que as crianças passem a ser órfãs de pai ou de mãe. É fundamental deixar claro (independentemente das perguntas colocadas pelas crianças) que tanto o Papá como a Mamã continuarão a estar presentes nas suas vidas e que elas (crianças) terão direito a estar com os dois.