Sou diariamente confrontada com queixas que incluem relatos de insultos, humilhações, falsas acusações, traições e outros abusos emocionais dentro da relação conjugal. Não me refiro apenas às pessoas que acompanho no consultório mas sobretudo aos inúmeros emails que recebo TODOS OS DIAS. São descrições mais ou menos exaustivas de um vasto conjunto de episódios que a maioria das pessoas rotularia deinadmissíveis. E aqui reside a motivação para este texto:
Porque é que estas pessoas admitem aquilo
que a maior parte de nós não admitiria?
Por que toleram estes abusos?
Por que insistem em manter-se ligadas
a um cônjuge que não as respeita?
A resposta, na primeira pessoa, é quase sempre a mesma: “Porque gosto mesmo dele(a)”.
É fácil perceber que a maior parte destas pessoas encara o fim de uma relação como extremamente penoso. Na verdade, nunca é fácil terminar um relacionamento e é por isso que há tantas pessoas a eternizar relações amorosas mesmo quando já não há um vínculo romântico. Porque o fim é quase sempre doloroso. Porque envolve mágoas, perdas, sentimentos de culpa e de pena que podem corroer a estabilidade de qualquer um.
Mas estas são situações limite.
São laços que tão-pouco são dignos do rótulo de “relações amorosas”, na medida em que são tudo o que o amor não é. E ainda que os diversos abusos sejam intercalados com momentos que as próprias pessoas rotulam de agradáveis, a disfuncionalidade é evidente. Como é evidente a deterioração do amor-próprio, da segurança emocional, do respeito.
E tudo o que pode correr mal
quando perdemos o respeito por nós mesmos
ACABA MESMO POR CORRER MAL.
Voltando aos pedidos de ajuda que recebo por email, é relativamente fácil constatar que em boa parte desses casos não há verdadeira vontade de mudar. A pessoa queixa-se e dá um “grito” que mostra o nível de desespero mas isso não significa que se sinta pronta a romper com a disfuncionalidade. Na verdade, em muitas destas situações a pessoa sente-se mal mas também se sente condenada. E, aos seus olhos, só um milagre as pode libertar. Na prática, ignoram que o poder da mudança está em si mesmas.
Sendo compreensível que para alguém que já perdeu boa parte da sua autoestima não seja mesmo nada fácil encontrar uma saída, não é aceitável que nada seja feito. E é ainda menos aceitável que a tolerância para com os abusos continue quando há filhos que, enquanto elo mais fraco, ficam tantas vezes irreversivelmente marcados por estas escolhas.
Aquilo que a prática clínica mostra é que, na maior parte das vezes, o corte com este padrão acontece quando se bate no fundo. Nalguns casos isso implica que é preciso passar-se para a violência física; noutros casos o “Basta!” surge depois de os filhos darem sinais do impacto desta violência.