Todos os pais e mães esperam que a entrada para o ensino pré-escolar seja um passo no sentido de as suas crianças darem as primeiras provas “ao mundo” de que são inteligentes, simpáticas, disciplinadas e sociáveis. A par do nervosismo e da tristeza que acompanham os adultos nos primeiros dias em que têm de deixar os seus rebentos aos cuidados de terceiros, existe a expectativa legítima de que a criança seja bem-sucedida. Os progenitores sabem quão importante é a integração da criança no ambiente escolar, pelo que, de um modo geral, escolhem com minúcia o estabelecimento de ensino. Quando as crianças recebem as primeiras avaliações os pais também se sentem avaliados, pelo que quando o corpo docente faz uma análise positiva do comportamento e da adaptação da criança, os pais sentem-se orgulhosos do seu papel.
Mas quando surgem reparos mais negativos ou chamadas de atenção que façam menção a comportamentos agressivos os pais sentem-se legitimamente preocupados e frustrados.
Independentemente do tempo que cada criança leva a adaptar-se à escola, aos adultos e aos colegas, compete à educadora estar particularmente atenta às dificuldades manifestadas por cada criança e, sem alarmismos, procurar conversar com os pais para que, juntos, possam discernir sobre as possíveis causas.
Quando uma criança mostra comportamentos agressivos com os colegas, resistência à frustração, desmotivação e/ou indisciplina perante os adultos do espaço escolar, é importante tentar perceber aquilo que está por detrás do evidente mal-estar e isso pode depender de uma avaliação psicológica, que envolve a observação da criança individualmente, a entrevista aos pais e a observação do comportamento da criança na presença dos pais.
De um modo geral, ao fim de algumas consultas é possível
levantar hipóteses sólidas sobre as causas do comportamento desafiante:
- Conflitos sérios entre os progenitores. Muitas vezes o comportamento agressivo da criança não é mais do que uma demonstração atípica da sua tristeza. Tratar-se-á de uma chamada de atenção para um problema que é observável pela criança mas cuja resolução está fora do seu alcance. Nalguns casos falamos mesmo de crianças deprimidas, que exteriorizam desta forma o seu sofrimento. Desengane-se quem considere que são “só” as crianças cujos pais estão à beira do divórcio que passam por esta aflição. Os casais considerados estáveis podem ignorar a real dimensão dos seus problemas, minimizando o impacto dos momentos de tensão na estabilidade afectiva das crianças.
- Dificuldades dos pais em impor a disciplina. Boa parte das nossas convicções acerca das regras e da disciplina caem por terra aquando do nascimento do primeiro filho. Esquecemo-nos da importância de dizer não, desvalorizamos o rigor na aplicação de castigos e acabamos por estragar a criança com mimos. Na prática, as consequências destes padrões de relacionamento só são realmente visíveis quando a criança tem de enfrentar a comunidade escolar e obedecer a regras impostas por outros adultos. Ali deixa de ser o centro das atenções, deixa de ver as suas necessidades imediatamente satisfeitas e é confrontada com a importância de uma competência social central, a resistência à frustração. As crianças que não estão habituadas a ouvir um “Não” sofrem muito mais aquando da necessidade de adaptação ao ambiente escolar.
- Lacunas na relação com um dos progenitores. Um pai demasiado permissivo pode ser, antes de mais, um pai inseguro, com dificuldade em criar laços com os filhos. Não raras vezes sou confrontada com famílias em que o pai é uma espécie de estranho na educação da criança, acabando por dar o seu melhor no sentido de satisfazer os caprichos materiais da criança mas mostrando-se incapaz de criar uma vínculo afectivo. O pai e a criança brincam e interagem como se fossem da mesma idade mas na altura de definir limites e criar confiança afectiva a responsabilidade está do lado materno. Em casos pontuais esta lacuna é visível na relação com a mãe e é o pai que funciona como “porto seguro”.
- Depressão de um dos progenitores. A depressão é uma doença incapacitante e avassaladora, ainda que nem sempre seja claramente assumida. Quanto mais as famílias se fecharem sobre si mesmas, recusando pedidos de ajuda claros – formais e informais – maior a probabilidade de o sofrimento ser extensível às crianças que, mais uma vez, acabam por mostrar a sua dor e a sua impotência de forma atípica.
- Mudanças repentinas na rotina da criança. A chegada de um irmão, a mudança de emprego de um dos progenitores (e consequente reestruturação no horário) ou o adoecimento de um familiar podem contribuir para a instabilidade da criança. Como nem sempre é fácil para os próprios adultos estarem atentos a tudo e a todos, os medos da criança podem acabar por ser exteriorizados no ambiente que se mantém estável – a escolinha.
A maioria das crianças aprende a substituir o comportamento agressivo, anti-social por um comportamento socialmente adequado antes dos 5 anos. Aprender a gerir sentimentos de raiva e lidar com a frustração são tarefas cruciais da primeira infância. No entanto, se a criança apresenta um padrão de comportamentos agressivos, anti-sociais ou de ruptura que representam uma ameaça para si mesma, ou para os outros, consulte o seu pediatra ou um psicólogo especializado em problemas de comportamento das crianças. Aos pais compete responder às necessidades da criança num ambiente familiar suficientemente aconchegante, sensível, estável e de maneira responsável. Por outras palavras:
A criança precisa de se sentir segura, quer a respeito do afecto dos pais, quer a respeito da sua sensibilidade para responder às suas necessidades, reconhecendo-os simultaneamente como capazes de impor regras e dizer “Não”.