Como já tenho tentado explicar aqui, sou muitas vezes confrontada com pedidos de ajuda de casais que, estando em processo de divórcio, têm a preocupação de recorrer à ajuda clínica no sentido de assegurar a minimização dos danos emocionais deste passo na vida dos seus filhos. Nalguns casos, o pedido de ajuda é motivado por algum sinal emitido pela criança. Por exemplo, se houver discussões acesas ou momentos de tensão que se tornem perceptíveis para a criança, é natural (e saudável) que esta expresse os seus medos com comentários do tipo "Papá, não te separes da mamã". Estes apelos são dilacerantes e aumentam a angústia de quem deseja o melhor para os seus filhos mas sabe que já não existe hipótese de reconciliação. Apesar da dor, estes pais estão em vantagem em relação a outros que recebo em sede de terapia. Eles não sabem mas o facto de as suas crianças expressarem os seus medos e o seu sofrimento é um sinal claro de que tudo está a correr dentro da normalidade. Refiro-me à circunstância de as crianças expressarem de forma clara aquilo por que estão a passar, na medida em que isso permite que os adultos as confortem e lhes transmitam a mensagem de que tudo vai ficar bem. O sofrimento daqueles que amamos, e em concreto o sofrimento das nossas crianças, é aterrador mas é a prova de que os laços que existem são saudáveis e há espaço para a manifestação de tristeza.
Claro que não posso ser irrealista e sugerir que estes pedidos de ajuda acontecem sempre de mútuo acordo. São muito mais frequentes os pedidos de ajuda de pessoas que estão seguras de que o divórcio é inevitável, mesmo quando têm de enfrentar a resistência (e alguns exercícios de manipulação) da parte do ainda cônjuge. Neste caso, as necessidades das crianças podem ficar para segundo plano, na medida em que há um progenitor que, sem maldade, mas sobretudo incapaz de fazer escolhas emocionalmente inteligentes, acaba por usar a criança para tentar condicionar o outro numa tentativa desesperada de salvar a relação. É evidente que enquanto um pai disser coisas como "O papá ainda gosta da mamã mas ela não quer continuar a viver cá em casa" não estará verdadeiramente capaz de dar atenção às vulnerabilidades da criança. Um filho não pode ser visto (usado?) como aliado na luta pela salvação do casamento na medida em que essa aliança perversa produzirá conflitos de lealdade difíceis de gerir por parte de alguém que merece sentir-se livre para continuar a amar o pai e a mãe na mesma medida.
As situações que mais me preocupam não são aquelas em que existem sinais mais ou menos evidentes da angústia das crianças. Aquilo que continua a arrepiar-me são as descrições de pais e mães que me dizem que as crianças "estão a reagir muito bem" ao processo de separação. Assustam-me particularmente os relatos que dão conta de comportamentos próximos da perfeição (notas excelentes, crianças que brincam sozinhas e deixam que os pais façam o seu luto "em paz"...) porque temo que estes sinais sejam a tradução dos esforços das crianças para proteger os pais, mantendo uma normalidade pouco saudável. É como se, nestes casos, os filhos assumissem o compromisso de respeitar o sofrimento dos pais e dessem o seu melhor no sentido de não "levantar ondas" nesta fase. Este instinto protector é disfuncional e perigoso, como me mostram diversos casos clínicos em que, mais tarde, é diagnosticada uma depressão atípica em crianças e jovens que não tiveram oportunidade de fazer o seu luto de forma saudável.
Nenhuma criança nem nenhum adolescente atravessa um processo de separação dos pais com serenidade e indiferença e é crucial que os pais, no meio do seu próprio sofrimento, possam continuar a ser os cuidadores que foram até aqui, garantindo que o silêncio e a perfeição aparente não sejam confundidos com luto saudável e segurança emocional.