Um dos pedidos de ajuda que recebo com mais regularidade em sede de terapia diz respeito à dificuldade em lidar com uma separação repentina. Como tenho dito sempre, o divórcio é o segundo acontecimento mais ansiogénio no ciclo de vida de uma família, apenas ultrapassado pela morte do cônjuge ou de um filho. Mas de um modo geral as separações não acontecem do dia para a noite e, mesmo que os familiares e amigos se surpreendam com a notícia, na maior parte das vezes o sofrimento e o desgaste dos membros do casal (e quase sempre dos filhos também) já se arrasta há muito tempo. O divórcio ou a separação é quase sempre um processo penoso mas a dor que está associada é anterior à decisão final. Na prática, é como se o luto que importa fazer nestes casos começasse muitos meses antes da ruptura. Dói, sim, e muitas vezes esse período é marcado pela deterioração da comunicação e por episódios que mostram o pior lado de cada um dos membros do casal. Mas nestes casos a dor é distribuída no tempo.
Os casos a que me refiro no título deste texto dizem respeito a todas as pessoas que foramsurpreendidas com uma separação com que não contavam. E são muitos os relatos com que me confronto no consultório. São pessoas que, tantas vezes da noite para o dia, passaram de um estado de tranquilidade ao desespero e à angústia de não saber como será o seu futuro. Na maior parte destes casos o que acontece é que a pessoa que agora anuncia que se vai embora passou meses (ou anos) a desligar-se do parceiro, atingindo o estado de divórcio emocional. Conteve as suas emoções, a dimensão da sua insatisfação, fazendo o seu luto ainda durante a relação. É por isso que quando o anúncio é feito a pessoa que quer acabar está normalmente serena, segura da sua decisão, por oposição ao cônjuge que, de repente, fica sem chão.
A desorientação de quem num dia acha que tem uma família estável (mesmo que com dificuldades) e no outro está desamparado, atónito com a perda abrupta do companheiro, pode dar lugar à sensação de profundo fracasso, depressão e ansiedade. Este desnorte é compreensível. Na prática, é como se esta pessoa tivesse enviuvado de repente só que o companheiro está vivo e quer ir embora. Nalguns casos a surpresa e a inexistência de tempo para fazer o luto levam a que a pessoa que é abandonada assuma alguns comportamentos obsessivos, numa tentativa desesperada de manter o outro a seu lado. Claro que este padrão comportamental é disfuncional, empurra ainda mais o outro para fora da relação e coloca em risco a saúde emocional da pessoa que fica.
Todas as pessoas são capazes de sobreviver (e crescer) ao fim de uma relação, pelo que, por maior que seja o sofrimento e a surpresa, importa que quem foi abandonado assuma que o melhor é deixá-lo(a) ir. Fazer esforços avulsos para manter a ligação acabará por agudizar e prolongar indefinidamente o sofrimento da pessoa abandonada, pelo que importa que, com a ajuda de familiares e amigos próximos, se possa pôr em prática algumas estratégias para que o luto comece a ser feito e que passam por comportar-se como se o relacionamento tivesse MESMO acabado, ainda que na sua cabeça o vínculo continue a existir:
- retire as fotografias a dois das molduras de casa, apague as fotos que tem no telemóvel e arquive as fotografias do computador;
- deixe de telefonar ao ex-companheiro, evite quaisquer esforços para saber do seu paradeiro e/ou para se sentir mais próximo(a);
- preencha as noites livres e os fins-de-semana com saídas com amigos, actividades individuais ou qualquer outro "programa" que lhe permita sentir-se menos só;
- anuncie às pessoas próximas a separação - não viva sob uma mentira e, acima de tudo, não mascare a sua dor. Permita que as pessoas que estão à sua volta o(a) ajudem.
O sofrimento não passa de forma imediata só porque a pessoa assume que está separada mas este é um passo significativo para o luto. Se a pessoa se comportar como se estivesse desligada do outro, mais dia, menos dia, acabará mesmo por sentir-se desligada e pronta para reconstruir a sua vida.