Até há relativamente pouco tempo as relações conjugais eram mais ou menos previsíveis. Quando duas pessoas casavam tinham quase sempre como objectivos a curto prazo terem filhos e estabilidade financeira para os educar, sendo que, mesmo que nem sempre se falasse abertamente sobre as expectativas de cada um, estava implícito que ao marido competiria assegurar a principal fonte de rendimentos da família e à mulher competiria ser a principal cuidadora da casa e das crianças. Para além destas questões formais, havia aquilo a que eu chamo de contratos informais, isto é, à medida que a relação evoluía no tempo o papel de cada um tornava-se mais claro - na maior parte dos casos era à mulher que competia resolver/ gerir questões relacionadas com o apoio emocional e era o marido que se responsabilizava por tratar de questões burocráticas, por exemplo. Muitos de nós crescemos em famílias em que vigorava esta divisão clara dos papéis. Na verdade, para além dos nossos pais e avós, todos conhecemos um ou outro caso em que estes padrões continuam a vigorar - ela trabalha fora de casa mas saltita de emprego em emprego porque as suas principais obrigações prendem-se com a educação dos filhos; ele está preso a um emprego que o insatisfaz e é responsável por tratar de todas as contas, contratos e outros assuntos "sérios". Complementam-se e até podem ser muito felizes sob este formato. Porque há acordo, porque há um projecto de vida que inclui um contrato formal e outro informal que cumpre as necessidades e expectativas de cada um.
Mas na actualidade existem diversas formas de família e os contratos não estão sempre bem definidos, sobretudo os informais, pelo que qualquer acidente de percurso representa um desafio maior do que representaria para os casais das gerações anteriores.
Hoje existem casais de dupla carreira, em que a mulher não está capaz de abdicar da sua progressão em nome do papel de mãe. Pelo contrário, as expectativas vão no sentido de o papel parental ser simetricamente dividido com o marido. Os banhos e as birras já não são da exclusiva responsabilidade da mulher, tal como o sustento da família já não pode recair maioritariamente sobre o marido. Do ponto de vista informal também houve mudanças significativas: as mulheres já não pactuam com a ideia de serem elas as únicas provedoras de afecto e os homens dificilmente aceitarão serem tratados como homens da luta, responsáveis por resolver tudo o que seja assunto sério não afectivo.
Contudo, e porque é preciso tempo para que nos ajustemos às mudanças, mesmo às que trazem mais vantagens do que desvantagens, nem sempre é fácil definir as expectativas de cada um dos membros do casal ao longo do ciclo de vida da família. De resto, boa parte dos pedidos de ajuda que recebo estão relacionados com a dificuldade de adaptação a novas etapas. Às vezes essas dificuldades surgem na sequência de mudanças esperadas e desejadas, como o nascimento de um filho, uma progressão na carreira ou a mudança para uma casa maior. Noutras, o choque acontece aquando de um acidente de percurso que obriga a restruturações, como o adoecimento de um familiar que, de repente, tem de ficar lá em casa, a perda de emprego de um dos membros do casal ou um problema de infertilidade.
Em qualquer das circunstâncias é preciso que haja uma comunicação muito eficaz entre duas pessoas que se amam para evitar que as mudanças arrastem consigo a solidariedade, o apoio emocional mútuo e, por fim, a esperança num futuro a dois. A verdade é que quando olhamos para o nosso cônjuge e, por algum motivo, não lhe reconhecemos a capacidade para se ajustar às mudanças que a relação sofreu, importa que paremos para pensar nos porquês, nos contratos informais que criámos e nas dificuldades que ele(a) estará a sentir. Nem sempre é fácil realizar este exercício e às vezes há feridas emocionais de um lado e do outro que exacerbam as dificuldades de adaptação mas é sempre possível clarificar as necessidades e expectativas de cada um e, assim, crescer do ponto de vista emocional e continuar a acreditar na relação. Quando isso acontece, o amor sai fortalecido, a saúde melhora e a confiança no futuro também.