São frequentes os pedidos de ajuda de pessoas que se vêem repentinamente confrontadas com uma proposta de divórcio e que, perante o choque que uma separação “sem aviso” provoca, se sentem confusas, incrédulas e, claro, desesperadas. Sendo sempre um processo avassalador, em que a sensação de perda e a frustração tomam conta do dia-a-dia dos envolvidos, o divórcio pode ser ainda mais difícil quando um dos membros do casal é apanhado de surpresa. Como é que se reage à frase “Acho que é melhor separarmo-nos” se há bem pouco tempo se falava em fazer uma viagem romântica? Como é que uma mulher gere o pedido de divórcio se este surge poucos dias depois de um gesto carinhoso em que o marido a pega ao colo antes de entrarem em casa? Como é que um homem encara a separação depois de terem falado em ter um filho? O que quererão dizer estas mensagens tão díspares? Como é possível que num dia alguém se mostre aparentemente comprometido e, no dia seguinte, assuma, cheio de certezas, a vontade de se divorciar?
Ao contrário do que se possa pensar, este não é um fenómeno raro. Na verdade, só uma abordagem superficial permite encarar a possibilidade de alguém mudar repentinamente os seus sentimentos. À medida que o tempo passa e os membros do casal assumem diferentes responsabilidades, têm a oportunidade de continuar a crescer… juntos ou não. Não raras vezes, e até em função do facto de estarem demasiado absorvidos pelo papel parental e pelas múltiplas funções que desempenham no dia-a-dia, esse crescimento deixa de ser partilhado, as pessoas deixam de se sentir verdadeiramente conectadas e o tempo passa, sem que as dificuldades sejam encaradas de forma séria.
Mas se os problemas estavam “lá”, como é que o cônjuge que agora se sente abandonado não os viu? Estaria louco(a) ao ponto de acreditar que tinha um casamento quase perfeito e sem problemas particularmente graves? Não será mais plausível acreditar, por exemplo, nahipótese de o cônjuge que agora pede o divórcio estar deprimido? Não será esta separação um impulso, uma tentativa desesperada para resolver problemas de outra ordem? Não poderá o stress profissional estar na origem deste gesto abrupto? É compreensível que uma pessoa em choque procure encontrar explicações para a perda com que subitamente se vê confrontada. Infelizmente, esta reacção é também demonstrativa da natureza das dificuldades do casamento – a incapacidade para validar as queixas do cônjuge. De um modo geral, os “sinais” estiveram sempre lá, ainda que tenham sido ignorados. É por isso que um olhar mais profundo sobre o percurso do casal permite perceber que, afinal, a surpresa não faz assim tanto sentido, ainda que o cônjuge que agora abandona o barco possa ter emitido mensagens ambivalentes.
A que sinais me refiro? Existem, de facto, alguns indicadores de que há problemas sérios numa relação amorosa:
- Diminuição dos gestos de afecto. É normal que um casal atravesse períodos de maior afastamento, como é normal que haja períodos em que a intimidade sexual é pouco frequente. Mas é preocupante que se passem semanas (ou meses) sem que os membros do casal expressem claramente o seu afecto através de abraços, beijos, conversas íntimas, brincadeiras e outros mimos. É a diminuição desta espontaneidade que constitui um alerta importante.
- Silêncios constrangedores. Não há nada melhor do que sentirmo-nos confortáveis com o silêncio na presença de alguém de quem gostamos – é agradável saber que podemos estar “agarradinhos” sem dizer nada. Mas é penoso lidar com os silêncios “estranhos”, especialmente quando pelo menos um dos membros do casal se sente triste aparentemente sem razão.
- Aumento da vontade de estar longe de casa. Todos nós já tivemos de trabalhar até mais tarde, sem que daí resultassem problemas sérios para a relação conjugal. De um modo geral, expressamos as nossas saudades e procuramos usufruir da companhia daqueles que amamos. Quando o cônjuge passa a ter de fazer serões muito mais vezes, quando o trabalho ou qualquer outra actividade passa a roubar demasiado tempo à relação, há razões para alarme.
- Quando um quer discutir e o outro não. Há alguns padrões de comunicação alarmantes e este é um deles. Quando um dos membros do casal parece querer discutir quase sempre sobre o mesmo assunto e o outro se fecha sobre si mesmo, evidenciando a vontade de estar sozinho, de se livrar “daquilo”, a relação está claramente em perigo.
- Desvalorização do sexo. O sexo não é tudo na vida. Mas se um dos membros do casal insistir em desvalorizar as queixas do outro, agarrando-se à ideia de que uma relação é muito mais do que a intimidade sexual, a relação corre sérios riscos. São frequentes os casos em que as queixas dão lugar à irritabilidade e esta dá progressivamente lugar à apatia, que acaba por ser confundida com concordância. Se o cônjuge deixou de se queixar, não é porque deixou de dar importância ao sexo – é porque começou a desistir. De resto, esta premissa é válida para as queixas noutras áreas da conjugalidade.
De um modo geral, o cônjuge que decide pedir o divórcio expressa o cansaço e a frustração por não ter visto as suas necessidades serem atendidas, apesar das múltiplas tentativas para discutir o assunto. A pessoa queixa-se por não ter sido ouvida, sente-se alienada e, por norma, irritada.
Infelizmente, conheço alguns casos em que o casamento está a morrer aos poucos, ainda que só um dos membros do casal se aperceba do que está a acontecer.