De um modo geral, a felicidade de cada casal depende mais da forma como os cônjuges se comportam quando está “tudo bem” do que da forma como gerem os períodos de tensão. O conflito acaba por fazer parte da vida de qualquer casal, pelo que, como já tive oportunidade de referir aqui, não há motivos para temê-lo. Mas como as discussões não são “o pão nosso de cada dia” dos casais, é ao nível dos recursos que os casamentos mais se diferenciam – aquilo que os cônjuges fazem quando não estão a discutir é que é determinante para que o casamento dê certo.
Ainda assim, as discussões conjugais podem ser muito informativas acerca do bem-estar ou do mal-estar de uma relação. Uma das diferenças que separa os casais felizes daqueles que atravessam dificuldades mais sérias reside na frequência dos ataques ao carácter ou às características de personalidade de cada um. Como poucas pessoas duvidariam desta verdade lapaliciana, importa esclarecer que uma queixa é diferente de uma crítica. Uma queixa reporta-se apenas a um comportamento específico em que o cônjuge falhou. Uma crítica é mais abrangente – acrescenta algumas palavras negativas acerca do carácter ou da personalidade do cônjuge.
Quando a Mariana “refila” com o Vasco porque este deixa a roupa espalhada pelo chão, fá-lo sob a forma de uma queixa: “Estou cansada de apanhar a tua roupa! Vê lá se fazes a tua parte para que eu não tenha tanto trabalho”. Mas quando a Vera chama a atenção do marido dizendo “Esqueceste-te de tirar a roupa do estendal! Não és capaz de deixar o computador de vez em quando?” não está apenas a fazer uma queixa. Está a fazer uma crítica ao tempo que o marido passa à frente do computador. Claro que este tipo de críticas também existem nos casamentos felizes – são, no entanto, bastante mais raros do que nos casamentos em crise.
Quanto mais críticas existem, maior é a probabilidade de um ou os dois membros do casal se sentirem colocados em causa. A páginas tantas, as queixas incluídas em cada comentário deixam de ser escutadas e a única mensagem que passa é o ataque pessoal. Ora, o que é que nós fazemos quando nos sentimos atacados? Contra-atacamos ou procuramos fugir à discussão. O contra-ataque prejudica a relação na medida em que potencia a escalada de violência – o casal passa a discutir “por tudo e por nada” e os problemas assemelham-se a uma bola de neve. A fuga regular às discussões costuma estar associada a uma espécie de desligamento – só que a pessoa que foge do conflito também está a desligar-se da relação.
Quanto mais a Luísa grita e gesticula, proferindo frases que demonstram o seu sentimento de desilusão em relação ao marido, menor é a sua reacção. Com a cara “colada” ao jornal, José aparenta uma frieza arrepiante – segue a leitura, alheio às críticas, como se não fosse o seu alvo. Este isolamento traduz bem o desgaste da relação.