A Emília e o Fernando estão casados há menos de cinco anos e têm um filho pequeno. O nascimento do rebento representou, na época, uma reviravolta na vida do casal. Deixaram de poder sair despreocupadamente ao fim-de-semana, as noitadas deixaram de existir e até os jantares românticos passaram para segundo plano, face ao novo compromisso.
Até aqui, nada de novo. O nascimento do primeiro filho acarreta, quase sempre, um conjunto vasto de restrições.
A passagem do tempo e a aprendizagem inerente permitem que a maioria dos casais volte progressivamente a usufruir dos hábitos antigos. A regularidade diminui, mas a satisfação não. Ao fim de dois anos é expectável que um casal com algum suporte social e familiar esteja adaptado às necessidades da criança, sem descurar a conjugalidade. É também por volta desta altura que começam a considerar a hipótese de ter um segundo filho.
Voltemos à Emília e ao Fernando.
A viver a sua segunda gravidez, a Emília caracteriza os fins-de-semana da família: como o pequeno David “é uma criança muito sociável”, há quase sempre uma festa de aniversário de um dos coleguinhas. E não existe alternativa possível a essa rotina? A resposta é rápida: “Não imagino o que seria se o David não fosse a uma festa! É muito importante para ele! Este fim-de-semana, por exemplo, desmarcámos uma viagem por causa disso.”
Nesta ilustração estão reflectidas duas questões importantes:
1) A incapacidade de dizer não à criança.
Ao satisfazerem todas as vontades do pequeno David, a Emília e o Fernando ignoraram a importância de estabelecer regras, promover a assertividade e a partilha. Dizer não às crianças ajuda-as a lidar de forma mais eficaz com a frustração e a respeitar a autoridade (neste caso, paterna). Estas balizas permitem que a criança se descentre e aprenda a reconhecer que nem todos os desejos podem ser satisfeitos.
No caso concreto, é possível imaginar o que acontecerá a partir do nascimento do segundo filho. Na impossibilidade de se multiplicarem, como é que a Emília e o Fernando conseguirão conciliar vontades divergentes? A resposta é óbvia: não conseguirão. Alguém terá que ouvir um não!
2) A inexistência do papel conjugal (que foi anulado em função do papel parental).
Procurando proporcionar altos níveis de bem-estar ao filho, o casal deixou de investir em si mesmo. Desconhecerão a regra que diz que “O melhor que um pai pode fazer pela educação do seu filho é amar a mãe dele”? Ou ambicionam criar um novo conceito de amor romântico, sem a necessidade de tempo só para o casal?
A verdade é que a conjugação dos diferentes compromissos é um sinal de maturidade, essencial ao bem-estar pessoal e familiar. A maior parte das pessoas procura incutir nos filhos valores como o rigor e a assiduidade no trabalho. Estarão as recompensas profissionais mais claras do que as recompensas que advêm do investimento no casamento?
Olhar para a relação conjugal como um bem adquirido é o mesmo que andar de olhos fechados: mais cedo ou mais tarde damos um trambolhão.