A Filomena e o Manuel casaram apaixonados, como seria desejável que acontecesse sempre. Partilhavam o desejo de ter filhos, mas só depois de “curtirem” bem a vida a dois. Estavam no início das suas carreiras profissionais, queriam viajar, decorar a casa e… namorar, namorar, namorar.
Ao longo dos primeiros anos do casamento responderam com cordialidade às questões colocadas por familiares e amigos acerca do alargamento da família. Não conseguem precisar o momento a partir do qual deixaram de se sentir confortáveis com o tema - “Talvez ao fim de três ou quatro anos”.
Às tentativas “naturais” seguiram-se os “tratamentos”. É assim que se referem às consultas, aos exames e a todas as intervenções a que se submeteram.
O insucesso de cada tentativa aumentava a dor e a pressão. As reuniões familiares tornaram-se “insuportáveis”. A presença de outras crianças potenciava a angústia. E a ideia de conviver com outros adultos implicava quase sempre o medo de serem confrontados com perguntas fatais como “E então… quando é que vêm os filhotes?”.
Ninguém desejaria mais do que eles que a Filomena engravidasse e, no entanto, passaram a olhar para esse desejo como um “dever” a que estariam obrigados, sob pena de serem rotulados e estigmatizados. Não demorou muito até que se sentissem “diferentes”.
À medida que a tristeza e a revolta se agudizavam, também a comunicação do casal começou a deteriorar-se. Apesar de nunca ter havido acusações mútuas (pelo menos explícitas), a tensão tomou conta do casal. A sexualidade - essa fatia da comunicação conjugal que tantas vezes serve de barómetro da satisfação – automatizou-se.
Sentiam-se frustrados, desamparados. Qualquer manifestação de amor romântico parecia descabida. Pouca coisa fazia sentido. Investiram na carreira, na casa, nos carros e nas viagens. Aos olhos de muito boa gente eram um casal bem-sucedido, apesar da infertilidade. Mas a Filomena e o Manuel estavam muito longe da felicidade e do bem-estar.
A passagem do tempo não foi suficiente para sarar todas as feridas. Pelo contrário. A dor não foi enfrentada a dois nem tão-pouco fortaleceu a relação. Criaram mundos paralelos: cada um cimentou o seu próprio núcleo de amigos, os seus hobbies, as suas defesas. Até que sentiram a necessidade de questionar a relação. Faria sentido continuarem juntos? Não se sentiam casados, sentiam-se arrastados. As certezas resumiam-se à inevitabilidade de serem eles a tomar decisões.
Escolheram ser felizes juntos. O processo ainda não terminou. Sabem que não vão ter filhos. Estão a aprender a viver com isso.